sexta-feira, 19 de novembro de 2010

uma política do desencontro em nós

Uma família. Um bairro proletário. Londres nos anos 70. Desentendimentos. Juventude. Contestação. Valores morais. Medicina. Psiquiatria. Sexo. Polícia. Amor. Desobediência. Ordem. Aborto. Maturidade. Decepção. Hospital. Medicação. Terapia. Culpa. Loucura. Responsabilidade. Vida. Beleza. Frio. Compromisso. Lei. Norma. Humano.
A palavra é algo que não se deveria empenhar. A palavra deveria ser dada, apenas. Um dar que não espera contra-partida.
Quando se empenha na palavra um valor que não lhe cabe, a palavra vira sentença. Palavra-sentença é o fim de uma conversa. É som do martelo que ressoa depois de estabelecido o juízo. É o fim do encontro. A palavra-sentença é de algum modo sempre sinônima de um modo de adeus. Uma despedida que não enseja outros encontros.
Family life é assim em mim; uma sucessão de desencontros. A vigência de um modo-adeus.

2 comentários:

  1. Trata-se de um tema pelo qual eu me interesso bste e que vejo sempre presente, sobretudo, em filmes de arte europeus e independentes: a impossibilidade do encontro.

    A afirmação de Lacan, na fase pós-estruturalista joyceana de seu ensino (a partir do Seminário 20), de que "não há relação sexual" (no original: "rapport sexuel", isto é, "proporção sexual") pode soar polêmica aos ouvidos dos apressados ou mal-intencionados (sexismo, falocentrismo, chauvinismo etc. - acusaram-no!), mas reflete essa "política do desencontro em nós". Obviamente que o termo "política" implica uma "construção social do desencontro" - e não penso que Lacan ao apontar a desproporção sexual pretendesse imputá-la a uma suposta "essência humana" -, mas o fato é que o viés sócio-histórico e construtivista desse desencontro não diminui o sofrimento a ele associado... assim como conhecer a construção social do amor (vide Jurandir Freire; "Sem fraude nem favor: estudos sobre o amor romântico") não diminui o sofrimento que sentimos na ocasião em que levamos um pé-na-bunda (falo por experiência própria! rsrsrs...) - e Lacan, como clínico, lidava justamente com tal sofrimento, o qual, apesar de construído, não é menos doloroso nem "real" por conta disso.

    Daí ter saído do seu divã (do seu "cineclube da vida cotidiana") a idéia de que "não há proporção entre os sexos" (desconstrução do mito platônico da rejunção das duas metades)... amar é sempre dar algo que não se tem, é empenhar uma palavra a qual não se recuperará jamais, apesar da cobrança perpétua do empréstimo pelo credor-parceiro... Nesse sentido é emblemático seu Seminário 24 intitulado "L'insu que sait de l'une bévue s'aille à mourre" que é homófono a "L'insucess de 'Unbewusste' c'est l'amour" - cuja tradução seria: O insucesso/fracasso do inconsciente é o amor". O amor vem justamente tamponar o furo da desproporção sexual e empenhar uma dívida simbólica que jamais será paga...

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  2. Creio também que não há proporção no amor. Amor que diz de uma política de encontros, modos de se encontrar e ficar ou não agregados, o um com o outro. Daí se faz dívidas e divididas. Dívidas em palavras e afetos que não transitam. Divididas também. Eis alguma realidade!

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