sexta-feira, 19 de novembro de 2010

uma política do desencontro em nós

Uma família. Um bairro proletário. Londres nos anos 70. Desentendimentos. Juventude. Contestação. Valores morais. Medicina. Psiquiatria. Sexo. Polícia. Amor. Desobediência. Ordem. Aborto. Maturidade. Decepção. Hospital. Medicação. Terapia. Culpa. Loucura. Responsabilidade. Vida. Beleza. Frio. Compromisso. Lei. Norma. Humano.
A palavra é algo que não se deveria empenhar. A palavra deveria ser dada, apenas. Um dar que não espera contra-partida.
Quando se empenha na palavra um valor que não lhe cabe, a palavra vira sentença. Palavra-sentença é o fim de uma conversa. É som do martelo que ressoa depois de estabelecido o juízo. É o fim do encontro. A palavra-sentença é de algum modo sempre sinônima de um modo de adeus. Uma despedida que não enseja outros encontros.
Family life é assim em mim; uma sucessão de desencontros. A vigência de um modo-adeus.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Homo Sapiens 1900

Dirigido pelo sueco Peter Cohen, o mesmo diretor do brilhante Arquitetura da Destruição, Homo Sapiens 1900 aborda um tema polêmico: a eugenia e as teorias racistas que deram origem ao nazismo. Baseado em extensa pesquisa de fotos e cenas raras de arquivo, Peter Cohen discute a eugenia e a limpeza racial como forma de aperfeiçoar a espécie humana e criar um novo homem. Esses conceitos foram pesquisados no decorrer do século XX, com várias tentativas de transformá-los em realidade, da Alemanha de Hitler a União Soviética e os EUA, incluindo muitos outros países. Este é um documentário precioso sobre a manipulação biológica como arma para eliminar todos os que não se adaptam ao “padrão racial” imposto por um modelo fascista de ideal humano.

Leon Cakoff

Nesta Quinta-feira às 19:00 h

domingo, 7 de novembro de 2010

Breve Comentário sobre Anticristo

Lars von Trier, em "Dançando no escuro", já havia feito uma crítica mordaz à sociedade estadunidense, sobrutudo ao seu sistema judiciário. Em "Anticristo" essa crítica se atualiza só que pela ótica da psicologia. O personagem principal - psicólogo cognitivista-comportamental - despreza a gravidade do "luto" (a meu ver, um surto psicótico com as fases descritas por Klaus Conrad, em "Esquizofrenia insipiente") vivenciado por sua mulher em função da morte do filho de ambos e pretende curá-la de sua "reação normal à perda". Interessante uma passagem do filme no qual o psicólogo despreza os sonhos de sua mulher-paciente-experimento, ao que ela afirma: "A psicologia moderna (eu acrescentaria: estadunidense) não se interessa por sonhos. Freud está morto!". Nem seria preciso dizer que o apego à psicologia superficialista e a recusa à escuta do que está para-além do dito só poderia acabar mal...

Vale ressaltar que esse filme gerou muita polêmica na ocasião de sua apresentação no festival de Cannes, tendo a crítica inclusive perguntado a Lars von Trier o motivo pelo qual ele o teria realizado, como se o mesmo fosse sem propósito em termos cinematográficos. Como afirma um dos seus comentadores, Érico Borgo, num tom psicocrítico demais para o meu gosto: Anticristo seria um "exorcismo terapêutico de uma depressão na qual se encontrava [o diretor] há dois anos, um teste auto-infligido de sua capacidade de dirigir novamente"; von Trier teria realizado um "torture-porn psicológico de arte", "como se 'O Albergue' tivesse um filho com 'A Professora de Piano'", cujo objetivo principal seria chocar o público.

Confesso que não fiquei chocado com essa película e se tivesse ficado, provavelmente não o teria escolhido para exibição; se o fiz, foi porque vi nesse filme a possibilidade de explorar o registro do pensamento, sobretudo no que tange à crueldade. Apesar da familiariedade humana com a crueldade, teria sido somente a partir de Freud - mais especificamente a partir de seu conceito de "pulsão de morte" (cuja crueldade é somente uma de suas facetas), cunhado em "Além do princípio do prazer" e desenvolvida em outros textos -, que ela passou a ser objeto de análise filosófica propriamente dita... ao menos é essa a opinião de Jacques Derrida expressa em "Estados da Alma da Psicanálise"... nesse sentido, o referencial analítico teria permitido dizer o indizível, aquilo que escapava à racionalidade filosófica ocidental...

Depois de Freud, o homem perdeu de vez a suposta pureza e qualquer resquício de humanismo malogra ante às descobertas do pai da psicanálise, dentre as quais, a de que a crueldade é algo constitutivo de nosso psiquismo e, portanto, de nossa própria "humanidade"... aquilo que as análises teológicas e sócio-antropológicas projetavam no "outro" (em demônios e em estrangeiros), Freud referiu ao próprio homem: somos cruéis! ferida narcísica ainda hj não superada! Anticristo expõe essa ferida... Um filme antes cru do que cru-el...

terça-feira, 26 de outubro de 2010


O primeiro filme de G. Lucas, "THX 1138" será exibido nessa quinta feira, 28/10, às 19hs, no auditório DPS/DCS, Unidade Administrativa II.

Site oficial do filme: http://www.thx1138movie.com/

Sinopse
O primeiro filme dirigido por George Lucas (de Star Wars) é uma obra psicodélica sobre um futuro asséptico onde a população é forçada a viver em grandes cidades subterrâneas controladas por computadores. Coisas como o livre arbítrio, religião, desejos e sexo são proibidos. Todos são controlados por drogas que reprimem seus pensamentos e os deixam "dóceis" para fazerem suas funções na sociedade de maneira que não interfira no "equilíbrio" das coisas. Até que o humano THX-1138 (Robert Duvall) com sua parceira desafiam o sistema não apenas para defender seu romance (que é proibido), mas para tentar escapar da cidade subterrânea e viver livres no "mundo de cima". Não é dificil notar as profundas influências de célebres obras como "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley e "1984" de George Orwell. Lucas foi muito corajoso em fazer sua estréia no cinema com um filme tão "experimental" para a época, principalmente no Estados Unidos (coisa rara até hoje). O filme é muito bem montado e a caracterização é bastante convincente levando em conta os recursos técnicos que tinham e o orçamento minguado.

Informações Técnicas:
Título no Brasil: THX 1138
Título Original: THX 1138
País de Origem: EUA
Gênero: Ficção
Tempo de Duração: 95 minutos
Ano de Lançamento: 1971
Estúdio/Distrib.:
Warner Home Vídeo
Direção: George Lucas


domingo, 24 de outubro de 2010

Trabalho aqui com a idéia de que não se consegue precisar o começo de um acontecimento. Mas que quando se se encontra nele, ele não há mais como ignorar. Essas duas possibilidades parecem habitar o que se vê e se escuta em O fim e o princípio, cinema de Eduardo Coutinho.
O filme é anunciado como um experimento onde a única convicção da equipe de filmagem é a indicação de um hotel no município de São José do Rio Peixe. Fora disso, no sertão central da Paraíba, tudo pode vir a ser cinema.
Daí, produzem pistas e encontram Rosa. E Rosa, líder comunitária local, foi como um pé de fulô para que o filme brotasse. Um filme, sem roteiro prévio, se mostrou como uma generosa genealogia do povo de Rosa, que vivia em pequenas propriedades de um lugar chamado Araças. Primeira questão: uma genealogia não é de algum modo um roteiro do vivido?
Os fotogramas correm na tela e Rosa desenha um mapa de seu povo: tios, madrinhas, tias, avós e a conversa vai e vem e a gente, melhor, eu, vou ficando com vontade de atravessar a tela, para estar em um desses dias que foram dias do povo de Rosa. Mágica do cinema?
Vontade de tomar uma pinga com a Mariquinha, de trocar idéias e dizeres com Leocádio, saber do sono de Vermelha e das histórias da parteira Maria Borges. Com Assis, desdobrar sua tese de que a vida é um parafuso e só quem destorce é Jesus. A religião atravessa todos os discursos de Araças.
Queria também sentar com Rita e Zequinha e vê, se assim como Coutinho, quase sem querer, provoca uma intriga nesse casal que vive há mais de 40 anos juntos sem desavença.
Com Vigário, o único do Araças a usar a tração animal na lida, saber desse casamento com Antônia. Se encontraram viúvos e desviuvaram-se até que a morte os separe. Ela, a única de Araças que se arruma para a câmera, mas não traz uma conversa mole. Diz como se deveria dizer, de um jeito do qual não se desconfia do dito.
Tem também as irmãs Lice e Lica, madrinha de Rosa. Há o poeta José e seu soneto As mulheres, que lhe rendeu um troféu que exibe com orgulho e dignidade. Coisa bonita de ver e ouvir. Há a tia Dora, que já bem velhinha diz do destemor de só ter casado uma vez. Viúva nova, criou as filhas na roça de todo sol. Seu Nato, o homem que acha água no sertão rachado de sol e que não perde oportunidade de declarar seu amor a mãe. Nenén Grande, que de cigarro na boca e pitando com gosto, diz que deixou de fumar. A bela figura de seu Zé de Souza, o surdo bom de conversa. Por fim ou por princípio, Chico Moisés, o enigmático descrente que se denuncia crente, mas que só acredita no que vê e pode pegar. Pela mediação de Rosa, Coutinho narra um Araças que apenas lhe pertence por que ali também, ele ergueu uma breve casa de taipa. Esse é o seu filme e quem quiser que conte outra.